Autor: Guilherme Oliveira Martins
domingo, 14 de agosto de 2005
Sección: Artículos generales
Información publicada por: bracarense


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Fronteiras e Identidades

António José Saraiva disse um dia que «todas as fronteiras são culturais». As fronteiras funcionam como linhas de distinção e de aproximação, que delimitam as identidades. «O que separa as nações é a nacionalidade, não são os rios nem os montes. Estes podem favorecer a defesa ou a expansão de uma nação mas não podem criá-la». O ensaísta falava (num texto de 1971, republicado recentemente em Crónicas, organização de Maria José Saraiva, p. 369) das nossas raízes e fronteiras, encontrando a origem de Portugal num «processo orgânico de cruzamento e integração de dois focos de autonomia dentro da Hispânia, os quais existiam já antes da ocupação romana» – um galego e outro lusitano. O resultado foi uma fusão, «tão perfeita que este novo ser cultural tem resistido de forma homogénea» a diversas investidas externas ao longo dos séculos. Fomo-nos afirmando perante as dificuldades, em sucessivos estados de necessidade. Desenganem-se os que julgam que as incertezas de hoje são inéditas.

A língua e a cultura geradas no ocidente peninsular demonstram como a nossa identidade se fez não exclusivamente por um acto político de vontade, mas também graças a condições próprias que têm perdurado ao longo do tempo. E são significativos os exemplos dados pelo escritor ligados à formação de Portugal, como factores de afirmação de autonomia e de resposta aos desafios históricos mais exigentes e problemáticos - desde o condado de Coimbra do moçárabe Sesnando (1064-92) ou da resistência dos senhores de Portucale, no território que é hoje o de Entre Douro e Minho, passando pela nomeação de Raimundo de Borgonha como «senhor de Coimbra e do resto da Galiza» e depois pela designação de Henrique de Borgonha como senhor de Coimbra e de Portugal, numa evolução incerta, entre dois mundos políticos diferentes, com fronteiras oscilantes, entre os reinos cristãos e a influência muçulmana e islâmica , até à criação do reino de Afonso Henriques e ao início da consolidação de Portugal como resultado da convergência entre as influências atlântica e mediterrânica do ocidente peninsular.

Assim A.J.Saraiva procurou sustentar e justificar, completando o raciocínio de Herculano e dos seus discípulos, que «a velha língua em que Afonso Henriques aprendeu a falar a língua dos senhores e campónios da Galiza e dos guerrilheiros da Beiras teve um destino raro e privilegiado. Foi por ela que os galego-portugueses se sentiram diferentes dos castelhanos muito antes de Afonso Henriques ter assentado a capital do reino de Portugal em Coimbra, que já fora do estado do conde Sesnando» (op. cit., p.430). E deste modo a realidade cultural portuguesa apresenta origens anteriores à fundação do Estado português. Esta ideia de fronteira cultural e linguística não impede, porém, o mesmo António José Saraiva de afirmar (em texto de 1979) que «os valores dominantes da cultura portuguesa são hispânicos», gerados na «guerra comum da chamada reconquista». Eis como as fronteiras culturais distinguem e aproximam. «A hombridade, a honra cavaleiresca, que depois se contaminou a todas as camadas sociais, a liberdade individual que roça pelo anarquismo e que se combinou durante muito tempo com o valor da lealdade ao rei, que era uma ligação pessoal, com direitos e deveres, e que nunca se confundiu com a mera submissão passiva a uma tirania não abstracta, são comuns a Portugal, Leão, Galiza e Castela» (p.535). É o que o autor designa por «hispanidade de Portugal», expressão que suscitou incompreensões, mas que, para Saraiva, mais não significava do que o reconhecimento de um facto, incapaz de comprometer a distinção cultural e a independência. No fundo, Portugal não se afirma plenamente a não ser através da compreensão de que as fronteiras culturais peninsulares levam à tomada de consciência de uma herança comum, que permite a abertura de diversos caminhos e identidades, que se fortalecem pela complementaridade e não pela fragmentação.

A semente galega construiu a originalidade cultural portuguesa. Em 1147, quando Afonso Henriques chegou a Lisboa, falava-se na cidade um romance hispânico que depois cedeu perante o galaico-português. A poesia dos trovadores é tão galega como portuguesa e Afonso X, o Sábio, é antepassado da nossa própria cultura. Fernão Lopes, Gil Vicente e Camões são expoentes da cultura hispânica num sentido amplo, segundo Saraiva, e esse facto não impediu o pendor nacional dos seus temas, a começar no empenhamento do autor da Crónica de D. João I na defesa da causa nacional, insuspeita de qualquer ideia de subalternidade ou de conciliação em relação a Castela. No entanto, para AJS, Eça de Queirós e Fernando Pessoa foram mais claramente portugueses, nos seus temas e modos de os tratar. Afinal, há diferenças que nos distinguem, desde a teatralidade castelhana ao intimismo galaico-português, desde o contraste de Castela ao sombreado de Portugal, desde o distinto e redundante da língua do centro peninsular aos meios-tons, elipses e sílabas mudas do português. «El Cristo español está siempre en su papel trágico» - dizia Unamuno, citando o nosso Guerra Junqueiro – enquanto «el Cristo português anda por costas y prados y montañas, jugando com la gente del pueblo, se ríe com ellos, merienda, y de vez en cuando, para llenar su papel, se cuelga un rato de la cruz». Nada disso permite falar de divórcio ou de separação. Há uma raiz cultural comum que dá lugar a sensibilidades diferentes e a uma distinção, que resulta da singular convergência que caracteriza a nossa identidade. Por mais suspicácia que haja, o certo é que existe uma base comum de que partimos.

Sabemos que António José Saraiva punha muitas dúvidas e reticências à construção europeia, no entanto estava consciente de que a aproximação peninsular de Portugal e a compreensão dessa complementaridade seriam os modos adequados para uma ligação mais positiva à Europa. Na senda da geração de 1870, pensando a «decadência» como anti-mito, vai tender a recusar o fatalismo do atraso ou do isolamento. Não esconde, porém, o pessimismo. Nesse sentido, a evolução do seu pensamento levará a uma atitude dividida e quase paradoxal. Admira a energia de Oliveira Martins, e também o idealismo de António Sérgio, mas tem dificuldade em seguir, no fim da jornada, as ideias e a determinação reformadoras que ambos representaram no auge das respectivas existências. Interioriza, afinal, a depressão em que os mestres caíram no fim da vida. É levado a ver sobretudo as manifestações póstumas da história portuguesa, deixando progressivamente o lado voluntarioso que a exigência crítica dos mestres pressupunha. No fundo, o criticismo da geração das Conferências Democráticas foi, na sua essência, regenerador – longe de um fatalismo sem horizonte. Também AJS afirmou um dia, em polémica com António Quadros: «Não descreio de Portugal, mas procuro a sua viabilidade». Angustiava-o o isolamento, o autismo colectivo, o empobrecimento humano. Para contrariar o fatalismo do atraso seria indispensável acreditar nas forças e qualidades próprias e não ver o Estado espanhol como um muro isolador, mas como um vibrante condutor, para a ligação à Europa e ao mundo. Afinal a hispanofobia deixa-nos desarmados, incapazes de nos afirmarmos sem complexos, cientes dos interesses e valores próprios e comuns – do mesmo modo que o fatalismo do isolamento ou da subalternidade nos deixa mais vulneráveis a todas as ameaças.

O que separa as nações é a nacionalidade, não são os rios nem os montes. A hispanidade como herança comum e a portugalidade como sinal distintivo participam hoje num projecto europeu de diversidade cultural e de Estados e Povos livres e soberanos. Independentemente do sentido concreto das propostas, o que está em causa na viabilidade portuguesa é a compreensão de que nem o fatalismo do atraso nem a ilusão do progresso sem esforço e sem escolhas difíceis nos poderão salvar. A sobrevivência cultural obriga a responder aos fortes estímulos perante que nos encontramos. Fala-se da dependência, da ignorância, da dívida e do desequilíbrio das contas públicas. Vivemos um momento especialmente crítico. Alguém disse que as grandes mudanças positivas se fazem sempre em estado de necessidade. Assim aconteceu sempre na nossa história. Tudo depende de definirmos uma linha de acção e de sermos capazes de a seguir com metas, com contas prestadas, com sentido da história e da cultura…

Más informacióen en: http://blogs.parlamento.pt/casadoscomuns/archive/2005-01-19/2085.aspx


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Comentarios

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  1. #1 Reuveannabaraecus 05 de jun. 2006

    Lusitanoi: Muito acertada a sua intervençâo. Cumprimentos.

    Gladius ("Espada", mal empezamos):

    -Primera falacia (aparte de la de "Gracias a Dios"): quinientos años de Historia nos han separado de vosotros. Pues no, que son muchos más, a saber: el Reino de Portugal data por lo menos de 1128, cuando Afonso Henriques (Alfonso I de Portugal) derrotó en Sâo Mamede (Guimaraês) a las tropas que el Reino de León había enviado para sofocar la rebelión del Condado Portucalense... O sea, que nos "separan", como dices tú, no quinientos sino exactamente 878 años de Historia... Independencia la portuguesa, por cierto, mantenida con tesón por los portugueses a lo largo de todos estos siglos, con episodios como el de Aljubarrota (s. XIV) o el de las Guerras da Restauraçâo (s. XVII). Las cosas como son: si Portugal es un Estado independiente, se lo ha ganado a pulso, pues no han faltado intentos para anexionarlo a un Estado unitario ibérico, léase España.

    -Segunda falacia: de otra forma, los portugueses seríais otra piedra en el zapato de los españoles. ¿A qué piedras te refieres? ¿Y a qué españoles? No hace falta que contestes, en tu pregunta está la respuesta...

    -Tercera falacia: ¡Vosotros os lo habéis perdido! ¿Qué se han perdido? Pues, curiosamente, en Portugal llegaron efectivamente a la conclusión de que, con su pertenencia a España (1580-1640), perdieron mucho: perdieron la mayoría de sus posesiones de ultramar a manos de holandeses, franceses e ingleses, pues la monarquía filiPina no las supo -quiso- defender (en el fondo, no las veían como propias), perdieron a lo mejor de su juventud en las guerras imperialistas que la Casa de Austria libraba en toda Europa, e iban a perder todos sus fueros y aun toda su identidad con el régimen unificador de Olivares, hasta que la situación se hizo insostenible y en 1640 se produjo el levantamiento contra la dominación española. Fíjate no ya lo que podrían haber perdido después, sino lo que perdieron en tan sólo sesenta años...

    Los hechos son tozudos, y la Historia no se puede falsificar por afanes nacionalistas... españoles o de donde sean. Por otra parte, pienso que tus expresiones resultan ofensivas para los muchos portugueses que frecuentan este portal y que, en general, son bastante más moderados y respetuosos que tú. Hoy la mayoría de los portugueses y españoles estamos recuperando el placer de vivir en armoniosa y mutuamente enriquecedora vecindad, sin agitar esos lúgubres fantasmas del pasado que tú te empeñas en desenterrar...

  2. Hay 1 comentarios.
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